A Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) nº 585, de 29 de agosto de 2013, regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico que, por definição, constituem os direitos e responsabilidades desse profissional no que concerne a sua área de atuação. Dentre as tantas atribuições clínicas do farmacêutico relativas ao cuidado à saúde, nos âmbitos individual e coletivo, destaca-se aquela que autoriza o farmacêutico a prescrever, conforme legislação específica, no âmbito de sua competência profissional.
Já a Resolução CFF nº 586, de 29 de agosto de 2.013, encerra a concepção de prescrição como a ação de recomendar algo ao paciente. Tal recomendação pode incluir a seleção de opção terapêutica, a oferta de serviços farmacêuticos, ou o encaminhamento a outros profissionais ou serviços de saúde.
Vale ressaltar que concepções de prescrição farmacêutica encontram-se fragmentadas na legislação vigente, tanto sanitária como profissional. A Resolução CFF nº 586 inova ao considerar a prescrição como uma atribuição clínica do farmacêutico, definir sua natureza, especificar e ampliar o seu escopo para além do produto e descrever seu processo na perspectiva das boas práticas, estabelecendo seus limites e a necessidade de documentar e avaliar as atividades de prescrição.
O CFF, ao regular a prescrição farmacêutica, o faz em consonância com as tendências de maior integração da profissão farmacêutica com as demais profissões da área da saúde, reforça a sua missão de zelar pelo bem-estar da população e de propiciar a valorização técnico-científica e ética do farmacêutico.
Com o advento destas resoluções, muitos farmacêuticos brasileiros têm se dirigido ao CFF, quer por e-mail, quer por telefone, relatando suas dúvidas, principalmente com relação ao processo de implementação da prescrição farmacêutica no Brasil.
É com enorme satisfação que o CFF divulga esta nota técnica, sob a forma de perguntas e respostas, com a qual pretende esclarecer as principais dúvidas apresentadas, orientar quanto aos procedimentos necessários à boa prática da prescrição farmacêutica, como também indicar as principais diretrizes voltadas à prática profissional.
O CFF pretende, ainda, de forma sistemática, manter esta nota técnica sempre atualizada, apresentando tantas versões quantas forem necessárias, seja pela inclusão de novos esclarecimentos, seja aprimorando o texto ora apresentado.
Esta Nota Técnica diz respeito às perguntas encaminhadas ao Conselho Federal de Farmácia (CFF), relacionadas às Resoluções CFF nº 585 e nº 586, ambas de 29 de agosto de 2013, que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e regula a prescrição farmacêutica, respectivamente, e dão outras providências.
- O que é a prescrição farmacêutica?
O artigo 3º da Resolução CFF nº 586/2013 define prescrição farmacêutica como o “ato pelo qual o farmacêutico seleciona e documenta terapias farmacológicas e não farmacológicas, e outras intervenções relativas ao cuidado à saúde do paciente, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde, e à prevenção de doenças e de outros problemas de saúde.” Trata-se de uma das atribuições clínicas do farmacêutico, estabelecida no Capítulo I, art. 7º, inciso XXVI da Resolução CFF nº 585/2013.
Esta definição estabelece uma compreensão ampliada do que é prescrição farmacêutica. A prescrição é vista como um ato que está inserido no contexto do cuidado do paciente e das atribuições clínicas do profissional, e que não se restringe à escolha e recomendação documentada de medicamentos, mas também de terapêuticas não farmacológicas e outras intervenções em saúde.
- O farmacêutico pode prescrever qualquer medicamento?
Não. Somente os farmacêuticos legalmente habilitados e registrados no Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição poderão prescrever, conforme definido no artigo 2º da Resolução CFF nº 586/2013.
Esta resolução, em seu artigo 5º, estabelece que o farmacêutico poderá fazer a prescrição de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica, incluindo medicamentos industrializados e preparações magistrais - alopáticos ou dinamizados -, plantas medicinais, drogas vegetais e outras categorias ou relações de medicamentos que venham a ser aprovadas pelo órgão sanitário federal para prescrição do farmacêutico. Para tanto, os parágrafos 1º e 2º, deste artigo, especificam a formação e competência necessárias.
O artigo 6º, por sua vez, prevê que o farmacêutico poderá prescrever medicamentos cuja dispensação exija prescrição médica, condicionado à existência de diagnóstico prévio, e apenas quando estiver previsto em programas, protocolos, diretrizes ou normas técnicas, aprovados para uso no âmbito de instituições de saúde ou quando da formalização de acordos de colaboração com outros prescritores ou instituições de saúde. Neste caso, a formação e competência necessárias estão especificadas nos parágrafos 1º e 2º, deste artigo.
- Quais são os benefícios da prescrição farmacêutica para os pacientes e para a sociedade?
A ausência ou carência de assistência ocasiona, frequentemente, a tomada de decisões de tratamento, pela população, por conta própria, selecionando terapias que em muitos casos não são efetivas, seguras e, portanto, contraindicadas, implicando desfechos negativos na saúde e elevando os custos para os sistemas de saúde, o que pode favorecer o agravamento da condição clínica, gerar novos problemas de saúde e até mesmo retardar o diagnóstico precoce e o início de terapia efetiva e segura.
Os estabelecimentos farmacêuticos, pela capilaridade de sua distribuição geográfica, e o farmacêutico, pela sua competência e disponibilidade, representam, muitas vezes, a primeira e única possibilidade de acesso das pessoas ao cuidado em saúde, especialmente para as famílias com piores condições socioeconômicas.
A obrigatoriedade do registro das recomendações feitas ao paciente no ato da prescrição farmacêutica atribui um grau de responsabilidade sanitária pela segurança do paciente e permite a rastreabilidade das ações pelo órgão fiscalizador. Isto possibilita maior controle sobre os riscos inerentes à utilização de medicamentos e o desenvolvimento de ações visando ao seu uso responsável.
Dessa forma, ao regulamentar a prescrição farmacêutica, o Conselho Federal de Farmácia possibilita ao farmacêutico cumprir sua missão perante a sociedade, qual seja a de proporcionar aos pacientes o máximo de benefício possível dos medicamentos que utilizam e o acesso a um serviço qualificado.
- A prescrição resulta sempre de uma consulta farmacêutica?
Sim, pois este ato é uma atribuição clínica do farmacêutico, decorrência de uma demanda do paciente ou encaminhamento por outro profissional da saúde, acompanhada de uma cuidadosa avaliação, seleção da melhor conduta e documentação do processo. Isto constitui, conforme a Resolução CFF nº 585/2013, uma consulta farmacêutica. A definição deste termo consta no glossário da referida resolução.
Ressalte-se que nem toda consulta farmacêutica resulta, necessariamente, em uma prescrição.
- Esta consulta pode ser cobrada?
A remuneração da consulta realizada por farmacêuticos, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), está prevista na Portaria GM/MS nº. 2.848, de 06 de novembro de 2007, que publica a tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais – OPM, do SUS. Nela, são identificados os procedimentos clínicos que o farmacêutico poderá executar, como por exemplo: consulta de profissionais de nível superior na atenção básica; consulta de profissionais de nível superior na atenção especializada; consulta para avaliação clinica do fumante; consulta ou atendimento domiciliar na atenção básica e assistência domiciliar por equipe multiprofissional na atenção especializada.
- A prescrição pode ser cobrada?
Não. A prescrição farmacêutica, enquanto documento emitido, não pode ser cobrada. Ela não constitui um serviço per se, e sim, o ato de selecionar a melhor conduta, durante a provisão de vários serviços farmacêuticos.
- As farmácias e drogarias devem manter locais específicos para que hajam as prescrições?
Não consta a exigência de local exclusivo para a prescrição farmacêutica.
Contudo, os serviços farmacêuticos que resultarão na prescrição farmacêutica deverão ocorrer em ambiente que garanta privacidade e confidencialidade para a coleta, avaliação, registro e arquivo das informações.
A RDC Anvisa nº 44/2009 destaca, em seu artigo 15, a necessidade de diferenciação entre o ambiente destinado à provisão de serviços farmacêuticos daquele no qual se realiza a dispensação e a circulação de pessoas em geral, devendo o estabelecimento dispor de espaço específico para aqueles serviços. O parágrafo 1º, do mesmo artigo, estabelece que o ambiente para prestação dos serviços que demandam atendimento individualizado deve garantir a privacidade e o conforto dos usuários, possuindo dimensões, mobiliário e infraestrutura compatíveis com as atividades e serviços a serem oferecidos.
- Como deve ser feito o registro das consultas farmacêuticas?
O registro deve ser feito no prontuário do paciente. Este pode conter somente o registro do farmacêutico quando ele estiver atuando em consultório farmacêutico, farmácias ou drogarias não vinculadas a serviços de saúde. No caso de farmacêuticos que atuam em unidades de saúde da família, unidades básicas de saúde, clínicas, hospitais e outros, o registro deverá ocorrer, também, no prontuário do paciente padronizado pela instituição.
Ressalte-se que esse registro deve seguir as regulamentações sanitárias, as normas institucionais e a legislação farmacêutica, como a Resolução/CFF nº 555, de 30 de novembro de 2011, que regulamenta o registro, a guarda e o manuseio de informações resultantes da prática da assistência farmacêutica nos serviços de saúde.
- Como deve ser feita a documentação da prescrição farmacêutica?
A documentação deve ocorrer pela emissão de documento escrito, também denominado de receita. O artigo 7o da Resolução CFF 586/2013 estabelece o processo de prescrição, e o artigo 8o indica os elementos mínimos a serem registrados em uma prescrição.
- O CFF, assim como faz com o jaleco e os símbolos farmacêuticos, poderá recomendar um modelo de receituário?
Sim. O CFF poderá recomendar, com base na Resolução 586/2013 e na Lei 5991/1973. Para tanto, está elaborando um Manual de Boas Práticas de Prescrição Farmacêutica, que apresentará um modelo em um dos seus anexos. Não obstante, cada profissional poderá adotar seu próprio modelo de receituário, desde que respeitados a estrutura e os conteúdos previstos nas legislações citadas.
- Em quantas vias deverá ser feita a prescrição?
Não há previsão na legislação sanitária e profissional atuais de prescrição farmacêutica para medicamentos que exijam retenção de receita. Desta forma, a prescrição farmacêutica poderá ser feita em uma única via, a do paciente.
O farmacêutico prescritor ou o estabelecimento ao qual ele está vinculado pode optar pela prescrição em duas vias, sendo a segunda via arquivada no estabelecimento.
Ressalte-se que, a exemplo do que ocorre com as demais profissões de saúde, é necessário, registrar no prontuário do paciente as informações contidas na prescrição.
- A prescrição farmacêutica é um ato compulsório (obrigatório)?
Não. O ato de prescrever corresponde a uma atribuição clínica. Constitui uma prerrogativa, um direito ao exercício de uma atividade reconhecida no âmbito das competências do farmacêutico, não estando, portanto, correlacionado a uma obrigação profissional, mas ao resultado da liberdade de exercício profissional, respeitados os princípios legais e éticos da profissão.
- Como será garantida a qualidade da prescrição farmacêutica?
A boa atuação clínica do farmacêutico, que inclui o ato de prescrever, relaciona-se ao desenvolvimento de competências (colocar em prática conhecimentos e habilidades específicas em benefício do paciente), da existência de processos de trabalho bem delineados, ambiente propício para o desempenho das atividades, acesso à informação, gestão da prática, fiscalização sanitária e profissional como instrumento de identificação de falhas, proposição de soluções e de capacitação, assim como para coibir a má prática profissional. Considerando-se os múltiplos elementos necessários para a atuação clínica com boa qualidade, é necessária a parceria e atuação de diferentes instituições como as de ensino, as associações e as sociedades profissionais, o órgão sanitário e o CFF.
Constitui preocupação do CFF subsidiar o bom desempenho do farmacêutico nas suas diferentes áreas de atuação. Em relação à prática clínica, está em fase de planejamento um programa de educação continuada e desenvolvimento profissional.
A instituição também desenvolve ações, como as abaixo descritas, que visam à boa qualidade dos serviços clínicos prestados pelo farmacêutico:
- Curso em Habilidades Clínicas para Prescrição (previsão de início para março de 2014 – formato EAD);
- Manual de Boas Práticas de Prescrição Farmacêutica (em fase de planejamento);
- Protocolos para o manejo de queixas comuns na atenção primária (em fase de planejamento);
- Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos – Cebrim (disponível): http://www.cff.org.br/pagina.php?id=3&menu=3&titulo=Cebrim
Parcerias para disponibilizar acesso dos farmacêuticos ao:
http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/index.cfm?portal=pagina.visualizarArea&codArea=392
Destacam-se,ainda, iniciativas e documentos de outros órgãos governamentais, que contribuem para a boa qualidade da prescrição, como:
- Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas:
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=33581&janela=1
- Cadernos da Atenção Básica:
http://dab.saude.gov.br/caderno_ab.php
- Relação Nacional de Medicamentos Essenciais:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/rename_anexos_versao_08_08_2013.pdf
- Formulário Terapêutico Nacional:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/FTN.pdf
- O farmacêutico pode solicitar qualquer exame clínico-laboratorial?
Não. O farmacêutico poderá solicitar exames somente para a finalidade de monitorização dos resultados da farmacoterapia do paciente, conforme o inciso XII do art. 7o da Resolução CFF no 585/2013. Não está autorizada nesta resolução a solicitação de exames com finalidade diagnóstica.
- Os planos de saúde vão aceitar a solicitação de exame laboratorial pelo farmacêutico?
A Resolução CFF no 585/2013 é inédita, no sentido de tornar legal a solicitação de exames clínico-laboratoriais pelo farmacêutico, no contexto da monitorização da farmacoterapia. Contudo, a solicitação de exames por qualquer profissional da saúde, para serem pagos pelos planos de saúde, depende da vinculação e dos protocolos de trabalho que o profissional estabelecer com estes.
- Os serviços farmacêuticos poderão ser prestados em consultório farmacêutico autônomo?
A Resolução CFF no 585/2013 prevê a possibilidade de existência deste estabelecimento de forma autônoma. Contudo, os consultórios autônomos dos diferentes profissionais da saúde são registrados e regulados pelos respectivos conselhos profissionais e pelo órgão sanitário (municipal ou estadual, conforme descentralização).
A previsão de registro no órgão profissional foi estabelecida pela Resolução CFF no 585/2013. Contudo, o alvará sanitário, condição sine qua non para a abertura deste estabelecimento de saúde, deve ser emitido pelo órgão sanitário e incluído no sistema de códigos e atividades econômicas do CNAE (http://www.cnae.ibge.gov.br).
Sugere-se, por fim, a leitura dos documentos abaixo relacionados, disponíveis no site do CFF (http://www.cff.org.br/), como forma de entender o contexto da elaboração destas resoluções, e também ter acesso a outras perguntas a respeito deste assunto.